quinta-feira, maio 31, 2012

"Carne da minha carne sangue do meu sangue"


"A canadiana que a avó lhe deu. Era essa a desculpa. Não fosse essa seria outra qualquer. Desde que comecei o Alfaiate que andava com ganas de a fotografar. Mas como o entusiasmo parecia estar todo do meu lado não insisti muito. Chamei-a de longe. Ela olhou e eu disparei. Acho que não gostou muito de se ver. Azar, essa preocupação tenho-a com os outros. A ela compenso-a doutra forma. A fotografia vinca-lhe o ar de miúda, exibe-a precisamente da forma que a vejo e, como é tradição nestas coisas, da forma como provavelmente a vou ver sempre. A diferença de idades foi suficiente para que, muito naturalmente, o sentimento fraterno tenha dado lugar a um paternalismo morno que se foi contorcendo sempre para se exprimir de forma saudável e civilizada. Acho que não me saí mal até agora, brindei sempre com sorrisos afáveis os seus amigos rapazes.

Acho que começou tudo com as fraldas. Tinha oito anos quando lhas mudei pela primeira vez. Foi assim que encarei uma dura realidade que não queria reconhecer – as mulheres também cagam e as mais bonitas não são excepção. Alguma coisa haveriam elas de ir fazer à casa de banho mas no que a isso diz respeito, sempre achei que a aplicabilidade da dúvida metódica do Descartes era de todo conveniente. Não vejo nem cheiro, porque raio hei-de ter de acreditar? (não caralho, não vos estou a tentar convencer de que lia Descartes com oito anos, estava apenas a tentar ser engraçado).

Tenho um lado da família mais unido, outro menos. Há familiares dos quais gosto mais, outros com quem nem sequer simpatizo. Nunca dei grande importância aos laços de sangue, não os escolhi e nem sempre me esforço por gramá-los. Com ela é diferente. Enfim…suponho que com ela seja tudo diferente. Nunca fui pai e não me parece que esse dia esteja para perto mas desde que ela nasceu que lhe sinto o cheiro. É carne da minha carne e sangue do meu sangue. E quando recorro àquele exercício infantil de tentar perceber o quanto se gosta do que quer que seja através daquilo que se está disposto a fazer por o que quer que fosse, dou por mim a pensar no motivo pelo qual seria capaz de matar e, ocorre-me um de imediato - ela.

Às vezes vivemos com as pessoas mas não as conhecemos a fundo. Aposto que metade dos nossos problemas relacionais vêm daí. É a atenção. (e o toque, não sentem falta do toque? foda-se, não menosprezem nunca a importância do toque) A atenção que damos aos outros. Ou a falta dela. E eu, mesmo amando-a da forma que amo, devo ter-lhe perdido algures o rasto da atenção (o toque nunca, afagá-la foi sempre o meu desporto favorito). Só o posso ter perdido porque houve um dia que uma circunstância inusitada nos deixou sós num final de tarde de praia. (podemos até lá passar o dia inteiro mas os melhores momentos hão-de suceder-se sempre ao final do dia, não é?) E falámos. Sobre o amor, a vida, os sentimentos, os pais, tragédias familiares e outras coisas mais. E nesse dia juro-vos, senti uma coisa no peito. Não é nenhum daqueles recursos estilísticos apaneleirados. Senti mesmo. A minha irmã, com quem partilhei o beliche onde ainda durmo; a minha irmã, que se mudou para um quarto onde nunca entrei sem bater; a minha irmã, que me deixou com náuseas quando me comunicaram a sua primeira menstruação; a minha irmã tinha-se tornado numa mulher deliciosa. Ouvia-a falar do pai, da mãe, do pai com a mãe, da mãe com o pai, da avó, da filha que não fala à avó, do avô que nunca conhecemos, do acidente, das tias, da morte das tias, de amor, de pequenas sensibilidades e de todas essas merdas que nos causam apertos no peito. Ouvi e emocionei-me. É verdade, sou um bocado maricóide nestas merdas mas não tenho por hábito andar por aí a choramingar. Mas naquele dia não aguentei. Não dava para aguentar. Ela viu as lágrimas e passou-me a mão - a palma, não as costas - pela cara, cerrando-me os olhos com a ponta dos dedos como se, naquele momento, fosse ela quem protegesse e tomasse conta do seu irmão vulnerável, oito anos mais velho.

A canadiana que a avó lhe deu. Era essa a desculpa. Não fosse essa seria outra qualquer. Porque eu não preciso de desculpas para falar da minha irmã. Por algum motivo é a primeira vez que me emociono a escrever um post. Por algum motivo, antes mesmo de me sentar aqui, já sabia que isto ia acabar assim. Esta merda não se explica. Nem tem que se explicar. É mesmo assim. E juro-vos, eu já sabia. Já sabia que ia acabar assim."

Trends #1





Angela

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Awake!

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domingo, maio 13, 2012

Anna Dello Russo 2012


Editora e consultora criativa da Vogue Japão.